Você se lembra do momento em que decidiu que a joalheria seria parte da sua vida?
O que te fez escolher transformar histórias e sonhos em peças preciosas?
Essa semana repeti algo que fiz há quase 10 anos. Lá em 2015, me despenquei do Brasil para Paris a fim de fazer um curso na Escola de Artes Joalheiras. O curso tem o suporte da Van Cleef & Arpels, um dos grandes nomes de alta joalheria do mundo.
Me lembro de um evento dessa mesma maison que fui ano passado e ouvir o diretor criativo falando que um dos grandes pilares da empresa é compartilhar conhecimento. Isso é algo que me fascina, a marca que entende que ao dividir não perderá nada, apenas ganhará - isso serve para pessoas também. Quem escolhe ensinar o que sabe dá ferramentas para que os outros tenham insights e aumentem seu repertório. É tão comum encontrar pessoas que não dividem, pois têm medo de serem copiadas, mas não vi uma marca que copia até hoje que tenha perdurado com ***aquele diferencial***.
Lá em 2015, quem dava aula era Brigitte Pery, uma senhora muito simpática, cuja família teve o atelier responsável por desenvolver o colar Zíper em parceria com a Van Cleef & Arpels. Além de conhecer uma lenda viva da joalheria, a forma apaixonada como ela falava sobre o assunto era encantadora, tanto que lembro até hoje. Não é ótimo ouvir alguém falar sobre o que ama? Parece que a paixão exala e nos atinge também.
Eu acho muito difícil me acostumar com quem cria um encantamento dentro da gente, porque é assim que as lembranças são criadas: sentindo através da própria experiência.
Naquela época, então com 27 anos, existia uma fascinação muito grande da minha parte. Sentimento esse que carrego até hoje. Eu amo conversar com um cliente e ouvi-lo contar os pormenores da sua marca, que contém suas características e significados. E quantas vezes não escuto alguém me contar sobre seu negócio e vejo os olhos brilhando, como se a pessoa estivesse naquele momento exato escavando um pouco mais de seus sonhos? Esses últimos, às vezes esquecidos devido à rotina cansativa na tentativa de sobreviver no mundo moderno.
É difícil, hein? Fato é que hoje em dia não existe marca segura. Qualquer uma, tenha nascido em Paris ou na Barão de Paranapiacaba, lá em 1.890 ou 2.020, precisa se adaptar ao espírito do tempo.
Corta para a “mesma” Andrea, de 36 anos, assistindo ao “mesmo” curso em 2024. Precisamos colocar muitas aspas na frase anterior. Minha mente ficou muito inquieta depois dessa nova experiência, que carregava expectativas da Andrea de 9 anos atrás.
Com ainda muito encantamento, mas também com um olhar bem mais maduro, pude extrair muita reflexão dessa vez. Lá em 2015, eu extraí paixão. Esse ano, morando perto, peguei um trem Bruxelas-Paris para fazer um bate-volta que me ensinaria outras coisas. E aí que, mesmo morando na Europa, me senti fora da curva ali naquela classe cheia de franceses - também, quem mandou escolher a opção em francês, né? - que para eles estavam fazendo só mais um workshop, pois nasceram no berço do luxo.
Ao final da aula, perguntei sobre Brigitte, com todo o seu repertório de quem nunca me esquecerei. E a resposta que tive foi: “Ela não está mais com a gente, o curso cresceu e precisou se profissionalizar”. É isso, eles mudaram em quase uma década, eu também. Fui buscar paixão e conhecimento, porque acho que para compartilhar é preciso amar além de saber.
Anotei tudo o que podia e tive excelentes trocas, faria novamente com certeza, mas foi diferente. A maturidade também traz algo bonito: entender que a gente pode extrair aprendizados de qualquer situação.
Eu, com o cérebro em frangalhos depois de muitas horas escutando um idioma que não era o meu e anotando em português, ouvi da professora com surpresa: “Mas você não é daqui e veio fazer aula em francês? Uau!”. UAU mesmo, porque a gente não tem o luxo como cultura desde que nasce e, se quer absorver mais do outro para aprender e interpretar o que serve para a nossa realidade, é preciso aprofundar.
E novamente me senti estranha, pelo fato de que, mesmo me sentindo deslocada na aula dos franceses, ainda assim eu estava no alto de um grande privilégio para os padrões brasileiros. Me questionei por muitos ângulos. As realidades nunca são iguais, os acessos também não.
Tive outro grande privilégio de poder fazer uma excelente faculdade de joalheria, mas também me sentia deslocada por não pertencer àquele universo financeiro da maioria dos meus colegas. Eu não tinha contatos de berço - tinha vindo de Mogi Mirim, e depois de Santos. Mas eu sabia que precisava me dedicar, primeiro porque havia algo ali que eu amava de verdade, segundo porque era um lugar muito caro para passear, não dava para decepcionar meus pais.
Em casa, nunca tivemos grandes joias, mas elas ainda assim eram preciosas de significados. A joia que minha avó ganhou do meu avô, passou para minha mãe e hoje é minha, tem um valor que eu nem consigo mensurar. Entre outros pequenos tesouros familiares, nunca soube ao certo o motivo de ter escolhido a joalheria como carreira.
Eu sempre gostei de objetos detalhados, mas acima de tudo, com história. E que riqueza é poder ter sempre em mente o questionamento “O que eu estou fazendo tem sentido?”. Não para largar tudo e sair correndo para um ano sabático, mas para olhar para a rota e recalcular. Para olhar o caminho percorrido e pensar: meu sonho continua comigo ou ficou perdido em algum lugar lá atrás?
E assim recuperá-lo. Recuperar o propósito, resgatar o porquê escolhemos a joalheria como meio de mostrar nosso potencial no mundo. Rever de onde viemos, são nestes tempos passados que moram todas as nossas identidades e segredos.
Olhando para trás, vejo que sempre fui uma pessoa nostálgica, gosto muito de lembrar como era a minha infância e como eu era feliz fazendo coisas muito simples. É quase como se eu pudesse descongelar determinados momentos da minha vida e eles trouxessem mais força para guiar um futuro cheio de surpresas.
É possível parar o tempo? Às vezes, eu acho que é.
Para mim, a joia é uma preciosidade que marca o tempo.
E para você?
Andrea, que coisa especial tem sido ler você aqui. O Atlas da Joalheria tem sido como um diálogo gostoso, daqueles que a gente pode sentar na porta de casa, num lugar lindo e conversar com uma vizinha que gosta dos mesmos assuntos que você. Há encanto, há portas que se abrem, insights novos e muito brilho nos olhos. É como estar em casa, sentir-se em casa e numa casa muito aconchegante. 💕
Texto incrível, me identifiquei muito!